Convenção de Haia e o Brasil: Como funciona a guarda internacional dos filhos
Uma das questões mais levantadas em consultorias de direito internacional de família envolve a guarda internacional de menores.
Os conflitos de custódia internacional não possuem soluções ou estratégias estáticas, a mobilidade e as circunstâncias de cada caso precisam ser observadas com cautela.
Como o Brasil, que em 2023, teve mais de 4,9 milhões de brasileiros vivendo no exterior, enfrenta atualmente o desafio de alinhar a disputa pelos filhos em caso de separação e discordância dos pais ou responsáveis, que moram em países diferentes?
Pais que enfrentam uma separação ou um divórcio que envolva mais de um país (divórcio internacional) e têm filhos residentes em outro país frequentemente se deparam com dúvidas sobre como lidar com questões como guarda, visitas e pensão alimentícia.
Para esclarecer esses pontos e auxiliar os cidadãos brasileiros, o Ministério das Relações Exteriores elaborou, em janeiro de 2016, uma cartilha que deveria ajudar e orientar, mas acabou gerando ainda mais dúvidas. Possui duas versões: para público em geral e para os funcionários dos Consulados brasileiros.
A cartilha, disponível em 2024 no portal do Ministério das Relações Exteriores, tem como base a Convenção de Haia e oferece orientações sobre os procedimentos a serem adotados em cada uma dessas situações, buscando facilitar a compreensão de um processo muitas vezes complexo, delicado e repleto de carga emocional.
O Problema da Cartilha
Embora a iniciativa tenha sido muito bem-vinda, a cartilha acabou gerando ainda mais dúvidas por ser genérica e não abordar as exceções de forma clara, deixando arestas afiadas.
Por exemplo, na página 7, o documento afirma que a guarda é decidida por acordo entre os pais, decisão judicial ou mediação, desde que não haja histórico de violência doméstica.
Mas também, sugere que a Justiça brasileira tende a dar a guarda à mãe o que não é uma regra absoluta, apesar do inconsciente coletivo brasileiro entender que seria o ideal e não prevê os casos de violência praticada pela mãe ou outros responsáveis.
Na verdade e na prática, a Justiça brasileira sempre avalia o “melhor interesse da criança“, e a guarda pode ser concedida ao pai, aos avós ou a quem estiver mais apto a cuidar da criança.
A decisão leva em conta vários fatores, como a idade, adaptabilidade, o desenvolvimento da criança, saúde, enfim, uma gama de variáveis que equacionadas, chega-se ao ponto comum de melhor interesse.
O que é a Guarda Internacional?
A guarda dos filhos em casos de separação internacional é um assunto delicado que envolve a custódia (guarda) o direito de visita e pagamento de alimentos.
A guarda internacional busca definir quem cuidará da criança e onde ela viverá, levando em consideração o bem-estar do menor, as peculiaridades de cada casal, alinhando a legislação do país, acordos e convenções internacionais.
Questões como sequestro internacional internacional de crianças podem surgir nesses casos, exigindo a atuação multinacional da justiça para resolver o conflito, mas não é o tema deste artigo.
Retorno ao Brasil: É possível trazer a criança para o Brasil ou levá-la ao Exterior? Quais as condições para isso?
Em alguns casos, a Convenção de Haia pode restringir viagens internacionais, impossibilitando que a criança visite o Brasil, o que pode prejudicar o convívio com familiares brasileiros.
Isso ocorre muitas vezes pela falta de um aconselhamento adequado, informações confusas ou contraditórias ou mesmo por divergências de jurisdição entre os países envolvidos.
A Convenção de Haia também inclui exceções. O artigo 13, por exemplo, prevê que, em situações de risco, como violência física, moral ou psicológica, a criança pode retornar ao Brasil. Até a violência entre os pais pode ser interpretada como motivo para alterar a residência da criança.
O que diz a Convenção de Haia
A Convenção de Haia, que regula questões internacionais envolvendo menores de 16 anos, normalmente aplica as leis do país onde a criança reside, e não as leis brasileiras, mas já exceções.
Esse cenário jurídico envolve um emaranhado de tratados e convenções, como a Convenção Interamericana Sobre Obrigações de Alimentos e a Convenção de Nova Iorque Sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro.
A prioridade é sempre proteger os direitos da criança e preservar sua rotina social, incluindo amigos, escola, acolhimento e comunidade.
Casos já julgados sobre Guarda Internacional de crianças
Mudança para Europa com guarda compartilhada
Em dezembro de 2022, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que uma mãe brasileira, que tinha a guarda compartilhada no Brasil, poderia se mudar para a Holanda com a criança, mesmo tendo a na modalidade guarda compartilhada com o pai de seu filho.
No caso em questão, a Ministra Relatora, Nancy Andrighi, observou que a mudança da residência da criança do Brasil para a Holanda, embora introduza desafios e altere aspectos significativos da dinâmica familiar, serve aos melhores interesses do menor.
Essa mudança possibilita que a criança experimente e desenvolva novas oportunidades, beneficiando-se de uma vida educacional e de qualidade superior em um país que ocupa o 10º lugar no ranking de IDH da ONU.
Parece um contrassenso a mãe mudar de continente com o filho menor e contra a vontade do pai, mas a alteração do lar de referência do Brasil para a Holanda é mais favorável ao crescimento e ao bem-estar da criança, oferecendo um ambiente mais enriquecedor e promissor do que no Brasil.
É assim que o STJ pensa, mas cada caso é diferente do outro e essa decisão não se aplica a 100% das situações semelhantes, obviamente.
Transferência de Guarda para irmão na Alemanha
Em janeiro de 2023, um processo judicial na comarca de Itapiranga, Santa Catarina, envolvendo transferência da guarda de um adolescente de 15 anos do Brasil para a Alemanha.
Com a decisão, o jovem conseguiu a documentação completa para embarcar para a Alemanha, onde viverá com o irmão mais velho, agora detentor de sua guarda legal. O processo durou apenas 3 (três) dias e correu em segredo de justiça.
É essencial contar com o apoio de um advogado especialista em direito de família internacional, já que cada caso é único e bons resultados dependem da estratégia e técnica correta.
O papel do advogado em casos de Guarda Internacional
O trabalho de um advogado brasileiro especializado é fundamental para garantir que as decisões sobre guarda internacional, visitas e pensão alimentícia respeitem tanto as leis brasileiras quanto as estrangeiras.
Nos casos de divórcio amigável, os pais têm mais liberdade para negociar essas questões, até um certo limite (a autonomia não é 100%), mas em situações litigiosas, a complexidade aumenta.
Buscar o apoio de profissionais especializados é crucial para garantir que o direito de guarda devidamente respeitado.
Em casos de sentença de guarda estrangeira, deve-se reconhecer essa sentença no Brasil na maioria dos casos.
Aliás, se essa decisão estrangeira não for compatível com a nossa legislação, a decisão estrangeira pode não ser validada no Brasil.
Buscar o apoio de profissionais especializados é crucial para garantir o approach adequado e ter o direito de guarda devidamente respeitado.
Se você estiver enfrentando uma situação de guarda internacional, entre em contato com nossa equipe e agende uma consulta.
Vamos garantir que os direitos de seus filhos sejam preservados e que todas as nuances legais sejam cuidadosamente analisadas.
Sobre a autora:
Sofia Jacob é advogada e desde 2008 atua online para brasileiros e estrangeiros a resolver pendências no Brasil, garantindo soluções jurídicas personalizadas, eficientes e sistêmicas.
Advogada indicada pelo consulado brasileiro em Los Angeles, Califórnia, Estados Unidos.