A Terceira Turma do STJ, em novembro de 2024, marcou um avanço no direito de família brasileiro ao reconhecer a possibilidade de filiação socioafetiva entre avós e netos maiores de 18 anos.
Essa decisão reforça que vínculos jurídicos podem ir além da consanguinidade, desde que a relação afetuosa seja profundamente significativa, não necessariamente exigindo proximidade física.
Entenda o caso inovador
Um neto buscou o reconhecimento como filho socioafetivo (maior de idade) de seus avós maternos, sem abrir mão do nome de sua mãe biológica no registro civil.
Embora inicialmente arquivado pelo TJSP sob a justificativa de aplicação do artigo 42 do ECA, o caso foi revisado pelo STJ.
Diferença entre adoção e filiação socioafetiva
A ministra Nancy Andrighi destacou que o artigo 42 do Estatuto da criança e do adolescente que impede a adoção de netos por avós, não se aplica à filiação socioafetiva.
Este reconhecimento não rompe laços biológicos, mas sim formaliza relações afetivas preexistentes, quer dizer, acrescenta vínculos de afeto.
Multiparentalidade: Um conceito atual
A decisão também reafirma o conceito de multiparentalidade, permitindo que uma pessoa tenha vínculos biológicos e socioafetivos simultaneamente, em consonância com o STF (Tema 622).
Essa abordagem valoriza a complexidade das relações familiares modernas, reconhecendo vínculos que vão além da biologia, como os laços afetivos consolidados pela convivência e atualmente, não necessariamente física.
é um reflexo das diversas configurações familiares contemporâneas, reforçando o ponto focal do afeto como fundamento jurídico.
Normas e Procedimentos Relevantes
Com base no Provimento 149/2023 do CNJ, a filiação socioafetiva pode ser reconhecida diretamente em cartórios, desde que os requisitos legais sejam cumpridos.
No caso analisado, o STJ determinou o retorno do processo à primeira instância para a coleta de provas e a citação da mãe biológica.
A ministra Nancy Andrighi enfatizou que o reconhecimento da filiação socioafetiva é admitido mesmo que o filho tenha a paternidade ou a maternidade regularmente registrada no assento de nascimento, tendo em vista a possibilidade da multiparentalidade, conforme estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 622 da repercussão geral, enfatizando:
“A filiação socioafetiva, que encontra alicerce no artigo 227, parágrafo 6º, da Constituição Federal, envolve não apenas a adoção, mas também parentescos de outra origem, conforme introduzido pelo artigo 1.593 do Código Civil de 2002, além daqueles decorrentes da consanguinidade oriunda da ordem natural, de modo a contemplar a socioafetividade surgida como elemento de ordem cultural”.
A Filiação socioafetiva pelo Mundo
Estados Unidos
Nos Estados Unidos, a filiação socioafetiva pode ser reconhecida em situações específicas, especialmente em estados com legislação progressista, como Califórnia e Nova York.
O termo em si não é amplamente usado, as Cortes frequentemente consideram o best interest of the child (melhor interesse da criança) ao analisar relações familiares não-biológicas.
Em países com sistemas jurídicos de common law (como Reino Unido, Canadá, Estados Unidos e Austrália), a filiação socioafetiva não é uma figura legal específica como no Brasil, mas laços afetivos são frequentemente considerados em decisões judiciais relacionadas ao bem-estar de crianças e à convivência familiar.
França
A França reconhece vínculos familiares não-biológicos, como no caso de adoção ou tutela, especialmente quando há provas de convivência prolongada e laços afetivos consolidados.
Espanha
Na Espanha, os laços afetivos podem ser levados em consideração para determinar responsabilidades parentais, direitos e deveres, especialmente em situações de convivência estável.
Impacto no direito de família brasileiro
Essa decisão consolida a flexibilidade do conceito de família no Brasil, reconhecendo a importância dos laços afetivos.
É um marco que garante dignidade às relações familiares construídas na convivência e no afeto, independentemente da idade.
Fonte: STJ